É a relação entre a arte e o espaço, a criação artística, a natureza e a cultura dos
Açores que define o Tremor enquanto festival, e é a forma como se dá em nós
que determina que nos entreguemos a ele de peito aberto.
O que começou por ser um festival com um dia e uma programação totalmente
nacional, chegou à quinta edição com um eclético cartaz nacional e internacional
que, durante cinco dias, desafiou os participantes com concertos, residências
artísticas, conversas, caminhadas, incursões musicais, laboratórios e actividades
para crianças no cenário idílico da Ilha de São Miguel.
Houve clássicos afirmados e bandas emergentes, nomes que nunca antes ouvíramos mas que já não vamos
esquecer, sons para todos os gostos e sons que nos trouxeram gostos novos e
performances que nos levaram a alma para algum sítio melhor quando nos
arrancaram o corpo do chão.
Há no Tremor dois princípios inabaláveis mesmo quando o arquipélago treme: o
de interagir em simbiose com a natureza e o de convidar o território, a sociedade
local, os artistas e os participantes do festival a dialogar. Por isso, arrancou
folclórico com Banda Lira Sete Cidades e acabou em êxtase de abraços quentes e
ancas bailarinas com La Flama Blanca, uma filarmónica e um dj de cumbia locais.
Pelo meio, levou-nos à descoberta de 50 experiências artísticas que se
esconderam pela ilha só para serem encontradas.
Foi por este trilho que se fez o Tremor, na inumeridade de palcos onde aconteceu
– fez-se nas cascatas, nos caminhos, nas termas, nas salas de espectáculos, nos
bares, nos restaurantes, em coretos, na igreja, na lojas de camisas, na garagem.
Obrigatório mesmo: serem absolutamente açorianos e tão diversos como o
queijo que comemos em diferentes estágios de cura e que, de suave, rapidamente
passa a intenso e daí salta para ardente. Cada palco fez parte da experiência que
a organização quis proporcionar-nos e, por isso, cada concerto foi um
acontecimento que resultou de uma regra de 3 simples somada: a música, o
espaço e o amor-recebido- e-dado.
O que é que destacamos? O concerto apaixonado de O Gringo Sou Eu que
aqueceu a água das Termas da Ferraria mais o Tó Trips a borbulhar no Parque
Terra Nostra do Tremor na Estufa;
O Tremor Todo o Terreno para descobrirmos os 10000 Russos naquele túnel com a luz ao fundo que era a vida inteira; os Tír na Gnod, a primeira experiência que tivemos no festival e que nos disse, se
dúvidas houvesse, que íamos perder o ar do peito muitas vezes naquela semana.
E na cidade, os Liima emocionados a emocionar-nos pelo Ateneu Comercial fora;
Mykki Blanco a ser tudo o que queria ser e só o que queria ser – e a ser tanto;
Ermo a cegar-nos para nos apurar a audição; Dead Combo numa aula de sexiness
e talento absurdo no Teatro Micaelenese; Zulu Zulu num palco onde couberam
tantos continentes e donde, juramos, voaram em capulanas até ao mar; Mal
Devisa a ganhar direito a altar naquela igreja; Lone Taxidermist a envolver-nos
em plásticos e luxúria e a assumir-se como o momento woman power do festival.
E, fazendo um ponto final quase parágrafo, aquele concerto bonito dos Boogarins
no Coreto da Praça do Município em Santa Maria, na edição especial Tremor na
Estufa 5 anos, onde apanhámos os primeiros raios de sol deste ano de olhos fechados.
Assim, sem ordem nenhuma, porque o Tremor fez-se desordeiro e
desordenado ao sabor do que sentíamos.
Há nos Açores uma magia que nunca mais vai largar-nos. Esta não é uma one
night stand. Feito da matéria das lavas, o Tremor é uma experiência que solidifica
na arte e renasce a cada criação. Um grande amigo-grande disse um dia que o
Tremor é Amor. Cada um acredita no que quer mas, na dúvida, não fiquem em
casa e vão apaixonar-se.
Texto: Patrícia Santos Fotos: Silvia Lopes
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