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TREMOR COM AMOR SE PAGA – Festival Tremor, Ponta Delgada, 20-24 Março

Há 5 anos atrás, o Tremor abalou Ponta Delgada com uma energia vulcânica – brotou da terra, acrescentou-se à história, cumpriu-se na paisagem, escorreu pelo povo e fertilizou a ilha.

Faz-se em e para São Miguel porque “o Tremor atravessa a ilha e a ilha atravessa-o pelos sentidos”, como poetiza António Pedro Lopes, curador do festival, que no epicentro pré-evento, partilha connosco esta carta de amor:

 

É a quinta edição do Tremor. De que forma encaram a evolução que o festival tem sofrido?

O Tremor tem tido uma evolução progressiva, pautada por descobertas e experiências novas todos os anos. Da primeira edição de um dia, com um programa exclusivo com música nacional, para esta quinta edição com cinco dias, um programa internacional em Ponta Delgada, Ribeira Grande e um pouco por toda a ilha de São Miguel. Cinco anos tem sido o tempo de entender que festival queremos fazer e experimentar as formas como queremos que ele se articule com a ilha. É importante para nós que o Tremor explore de forma positiva as múltiplas e incríveis valências e recursos naturais e patrimoniais da ilha, bem como experimente diversas formas de aproximar, trabalhar, dialogar e convidar a sociedade local a participar, e o mundo que nos visita para experimentar .

Já fizemos muita coisa incrível, arriscamos, erramos, experimentamos, ganhamos, perdemos, e ao evoluirmos com a experiência, aprendemos também que o Tremor é um festival elástico, experimental, carregado de esperança, pertença e entusiasmo, capaz de se moldar a todo tipo de espaços, comunidades e projetos, e de a cada ano se reinventar para contar novas histórias a partir da música.

 

Há no Tremor uma clara preocupação em conciliar a arte e o espaço, a criação artística contemporânea com a criação natural e cultural milenar. De que forma esta relação molda a identidade do festival?

A relação entre arte e espaço, criação artística, natureza e a cultura dos Açores é uma relação que define o Tremor enquanto festival. O Tremor é o Tremor porque é erguido em e para São Miguel. E São Miguel é uma ilha rica em cenário natural, em arquitectura, em hábitos culturais próprios, em experiências únicas e em sabores sem par. O Tremor atravessa a ilha e ilha atravessa-o pelos sentidos. O Tremor é assim porque é aqui. E aqui – São Miguel – é um lugar muito especial e inspirador. Há muita qualidade de tempo e espaço, existem variadas instâncias e lugares que convidam a criar, a fazer alguma coisa, a interagir com os mais diversos tipos de histórias. Há muita potência, muito por fazer, e muita possibilidade de criar novos cruzamentos, releituras, interpretações,  daí que seja um lugar ideal para a criação artística. O Tremor abraça isso e apresenta um programa que tanto se interessa pelo novo, como abraça a tradição, pondo-a lado a lado com as ânsias do presente, e os prenúncios do futuro. Sem fronteiras, tudo misturado, num grande rodopio de desafios e prazeres ao espectador.

 

O que é que torna o Tremor uma experiência única?

Desde o dia um, o Tremor é feito em conversa. Primeiro entre os quatro programadores: eu, o Márcio, o Fua e o Kitas. Depois com uma cidade e uma ilha toda, com centenas de artistas, parceiros, patrocinadores, cidadãos de todas as origens. Uma conversa que gera colaboração, e que por sua vez, cria uma situação coletiva que vira um lugar do avesso para mostrar o que há de melhor ali. Não é só poesia, a acção é concreta e real, e cria de facto um deslocamento real na forma como se pensa o encontro, e propõe uma forma de habitar os lugares e de horizontalizar as relações entre pessoas no espaço público. Depois, o programa é de descoberta, curiosidade e caracteriza-se por um grande sentido de liberdade, ancorado em pensamento, sentido de urgência e a consciência que a música e a arte também auscultam o nosso tempo e a forma como escrevemos a história da nossa época. Finalmente, e de novo, é nos Açores e é feito com as pessoas dos Açores. Lugar de sonho, povo anfitrião. Tudo certo.

 

O Woman Soon surge num momento em que o feminismo está cada vez mais na ordem do dia e é cada vez mais associado à palavra igualdade. Falem-nos desta iniciativa e contem-nos de que forma o Tremor contribui para este equilíbrio.

Em 2016, iniciamos uma relação de diálogo com a Embaixada dos Estados Unidos da América em Lisboa sobre como intensificar relações culturais entre Portugal e os Estados Unidos. O ano passado incluímos na conversa a Fundação Luso Americana para o Desenvolvimento e o recorte foi desde sempre específico: criar uma  janela de pensamento e apresentação sobre o feminino e as realidades de trabalho das artistas dos dois países. Fizemo-lo através de um programa composto por painéis, residências artísticas e concertos a que damos seguimento este ano. Em três anos acolhemos artistas como Julianna Barwick, Grouper, Circuit des Yeux, Eartheater,  as portuguesas Violet, Sara Cruz, a fotógrafa Vera Marmelo, entre muitas outras.

Estamos em 2018, meses depois da explosão do movimento #metoo, e continua a ser urgente criar espaço para o feminino e aprofundar a sua reflexão e presença nos meios da arte e da música. E depois, sim, precisamos trabalhar na igualdade de género, aprender através de histórias de vida e trajetórias artísticas de mulheres. Reuniremos mulheres, homens e identidades de todos os tipos. Acreditamos que o caminho é abrir à diversidade e dizer que equilíbrio é  pensar em igualdade de género, criando espaço para artistas cujo trabalho fala por si, reflicta essa condição, ao mesmo tempo que a questiona e a põe em causa. Criamos então um  percurso programático que questiona representações binárias de homem-mulher, indagando que outras identidades os artistas propõem e que ações e opções moldam essas escolhas nos seus trabalhos artísticos. Questionamos como a tecnologia é usada para transmitir ideias, inscrever, partilhar e criar novas esferas de poder e comunicação. O programa apresenta Baby Dee, Mykki Blanco, Sheer Mag, Mal Devisa, Três Tristes Tigres, Bleid, e muitos outros artistas e intervenientes, traz concertos, residências artísticas e conversas, porque acima de tudo, vamos conversar, precisamos muito de  conversar.

 

“Experiência” e “criação” são palavras intrinsecamente ligadas ao festival. Contem-nos de que forma o Tremor as integra.

Há quem diga que o Tremor não é um festival, é uma experiência. Há muita intensidade e estímulo, e há muitas propostas diferentes. O festival não é feito para toda a gente gostar de tudo da mesma maneira. O Tremor é um roteiro de desafios, de embate com a experiência artística nas suas mais diversas manifestações e posicionamentos e é também um atravessamento de um lugar e um grande encontro e convívio com quem participa.

Criação é uma palavra chave. Criar é poder continuar, e a possibilidade de cada presente apresentar um novo futuro. Em 5 anos, de repente, apresentamos 45 projetos da nova música açoriana. Artistas a criarem a sua própria música, artistas que estimulamos e convidamos a encontrarem-se com outros para novos projetos e objetos. A criação é o melhor património e marca que o festival pode deixar e devolver à história e ao imaginário do tempo num lugar. Não há como não continuarmos a investir em criação, e a reinventar o possível e o imaginável.

O que é que podemos esperar desta edição?

5 dias de música, arte, encontro, natureza e descoberta na ilha de São Miguel. O cartaz começa com a Banda Lira Sete Cidades e acaba com La Flama Blanca, uma filarmónica e um dj de cumbia respectivamente. Pelo meio, nomes importantes como Dead Combo e Três Tristes Tigres, ou a possibilidade de descobrir o novo na música de Ermo, Snapped Ankles, Zulu Zulu, Lone Taxidermist. Colocaria expectativas ao alto para as performances de Mykki Blanco, da power-girl Mal Devisa,  do mundo maravilhoso de Baby Dee ou do hard rock possante e reivindicativo dos Sheer Mag. Calçaria ténis para dançar Mauskovic Dance Band, Altin Gun ou Mdou Moctar. Estaria fresco para descobrir Goldshake, o hip-hopper açoriano mais divertido dos Açores. E não perderia nem por nada, um voo aos céus na viola d’arco de José Valente ou no encontro de Rafael Carvalho na viola da terra com FLIP, ou confrontar-me com os paradoxos e sublimes da juventude micaelense na inauguração de “O Narcisismo das Pequenas Diferenças” da fotógrafa Pauliana Valente Pimentel. 50 propostas. Muito para escolher e uma ilha toda para descobrir.

 

Tremor é Açores? Açores já é Tremor também? ´

Tremor só é Tremor porque é Açores. Açores já é Tremor, sim. É São Miguel, com passagens pela Terceira e Faial. Açores é Tremor também porque o arquipélago e as suas comunidades são os palcos e os actores de uma grande experiência artística, e porque a partir do Tremor, se reinventam as instâncias do possível, o cartão postal e o sentido de experiência que os Açores podem oferecer.

 

As expectativas estão ao alto e havemos todos de partir a querer voltar. Encontramo-nos lá.

Até já Tremor.
Texto: Patrícia Santos
Fotos: Silvia Lopes

 

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