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Primavera em flor – NOS Primavera Sound 2017

O desafio era simples – eu fotografo o que bem me apetecer, tu escreves o que bem te aprouver.
A única premissa era a de sermos fiéis ao que nos inspirasse.

A mim foi a boa vibe do festival. A ele foi “meio-homem de cabelo comprido modelo Seattle, meio-sombra misteriosa e sem rosto – aquele contra quem os nossos pais nos avisaram.”

E assim, passou o Primavera por nós.

O texto que se segue é do Davide Pinheiro da Mesa de Mistura.

Fotos: Silvia Lopes @sforshot

 

2017 – Odisseia no Espaço 

Passou uma semana e o glossário sonoro ainda não tem respostas suficientes para a experiência científica de Aphex Twin no NOS Primavera Sound. A primeira pessoa do plural numa sociedade tão fragmentada e confusa corre sérios riscos de ser queimada numa fogueira digital mas há uma sensação que todos os que cresceram a olhar para uma televisão devem ter passado. A de procurar as pessoas dentro da caixa mágica no fim dos programas. Malvadas aquelas que queriam jogar às escondidas e nunca saíam fora da caixa. Esperar pelo próximo programa era tempo demais para quem nada tinha senão tempo para gastar.

Durante perto de quinze anos, Aphex Twin, Burial e Banksy foram desconhecidos do mesmo sangue. A Internet fez a pergunta. E na volta, os três divertem-se na mesma sala de comandos, a manipular a Internet e a minar o sistema por dentro. Foi isso que Richard D. James esteve a fazer no Porto. Desconstruir todas as formas familiares, destruir todos os ritmos lineares e acabar com a festa. Não era ele o último a fechar a porta do palco grande? Então, assunto encerrado. Quem disser festa, morre. Copos no armário porque o álcool acabou-se nos Justice e o Parque da Cidade é verde mas não cura ressacas.

Entre 2001 e 2014, Aphex Twin esteve sabático numa aldeia escocesa com 300 pessoas. Donos disto tudo como Thom Yorke e Kanye West sabem quem ele é; os vizinhos não. Quando o real passou a imitar os escritos de George Orwell e 1984 passou a ser para sempre daqui em diante, Aphex Twin escondeu-se. O mito não parou de esticar. E quando voltou em 2014 com Syro, foi hora de voltar a acompanhar a lenda.

Por isso, aquele que estacionou o sintetizador modular no Parque, meio-homem de cabelo comprido modelo Seattle, meio-sombra misteriosa e sem rosto, é aquele contra quem os nossos pais nos avisaram. Imaginem que tudo isto se passava num beco escuro perpendicular a uma oficina de automóveis com criaturas estranhas a erguer-se dos esgotos, pequenos restolhos, um par de olhos sem corpo e um manto invisível de medo a pairar sobre a cabeça?

Aphex Twin é tudo isto e muito menos que rave, um pouco menos que instalação sonora e arte digital. Porque se os olhos também comem, os ouvidos também bebem. Cinco sentidos insuficientes para racionalizar o sentido de uma performance sem par, erguida camada sobre camada de som e imagem, e cameos de Pinto da Costa, Rui Moreira, Emplastro, Salvador Sobral e o tandém Jorge Jesus e Bruno de Carvalho. Casa, bateria e baixo. Música com pés, cabeça e planetas. Uma enorme gargalhada. Mas gozar a sério, mesmo. Desde os Daft Punk no Sudoeste em 2006 que Portugal não era visto de um buraco negro.

Davide Pinheiro

 

 

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